domingo, 24 de maio de 2015

sem lenço e nem documento - capítulo II

Cecília chegou em Torres e logo desceu na rodoviária. Encantou-se com o lugar, o clima e o sotaque gaúcho. Não sabia onde, por quanto tempo, nem o que faria ali. Mas era exatamente esse o objetivo.

Antes de deixar sua cidade natal, Cecília procurou seu então namorado e colocou um ponto final no relacionamento:
- Jorge, precisamos conversar.  
- Diga, Cecília.
- Decidi que não te quero mais. Cansei. Esgotei todas as possibilidades de darmos certos. Esperava ter um futuro com você, ter filhos, mas tudo que você fez, foi trazer péssimos pensamentos e vontades de hábitos antigos que já não fazem mais parte de mim. Não quero isso mais na minha vida. Quero ser feliz, independente se sozinha ou com alguém. Fiz de tudo, Jorge. Juro por Jesus Cristinho que está lá no céu, fiz de tudo. Entrego esse namoro nas suas mãos com o coração partido. Suas vontades passaram por cima de nossos sentimentos, e eu sempre quis o mundo. Mas o que tive com você foi um mundo fechado. Quis muito um futuro ao seu lado. E olha que loucura, pensei em abrir mão de todos os meus sonhos, por você. Sobrepus os seus sonhos aos meus, e não tive retorno. Sinto muito. Não por mim, pois sei que fiz o que pude - mesmo sendo louca às vezes. Sinto muito por você, Jorge. Quem acordará amanhã se lamentando por este fim, pensando que poderia ter feito diferente, será você. Amanhã acordarei em uma cidade bem longe daqui, bem longe de você, bem longe de toda essa loucura que minha vida se tornou. Eu te amei, te amei muito. Seja melhor com a próxima pessoa que você amar, ou seja melhor com você mesmo. Você merece ser feliz. Você precisa tratar esse vício seu. Você merece ser feliz com quem quer que seja, Jorge. 

E assim foi embora. Jorge a olhou atônito. Nunca havia visto Cecília tão decidida, sem olhar para trás. Sem deixá-lo dizer uma palavra. Mas o segredo de Cecília conseguir ir embora sem olhar para Jorge, residia justamente aí. Não deixar as palavras dele amolecerem seu coração novamente. Cecília realmente precisava ir embora.

E foi.

Primeira coisa que Cecília fez ao chegar em seu primeiro destino, foi procurar um hostel para se hospedar. Era maio, e logo foi informada que estava acontecendo um Campeonato de Balonismo em Torres. Cecília se encantou, sempre achou balões lindos e mágicos, que davam a possibilidade de enxergar mais longe. Logo chegou em uma reunião em volta de uma fogueira à noite. Já quase na beirada da praia. E lá sentou e começou a conversar com todas as pessoas à sua volta.

Todos estavam imensamente curiosos, o que aquela mineira fazia ali perdida e sozinha? Então começaram o interrogatório: "nome, idade, cidade de origem, cidade de destino, o que fazia da vida...". Só não sabiam que Cecília omitiria a maior parte da verdade. Cecília não queria mais ser a velha Cecília, a Cecília de seus pais, a Cecília de sua cidade no interior de Minas, a Cecília de Jorge, a Cecília de seus amigos, a Cecília de seu curso. Cecília queria ser somente Cecília. 

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